quinta-feira, 19 de abril de 2007

Opinião

Em:http://www.oindividuo.com/


A PUC E A ROCINHA
Ronaldo Alves

Entrevistar o advogado e escritor Ronaldo Alves foi uma experiência singular, para dizer o mínimo. É emocionante ver os olhos deste ser humano de grandeza ímpar brilharem ao falar de sua experiência no morro da Rocinha e da causa negra.






(...)

OI - Ainda sobre o artigo, o que você acha da affirmative action?

RA - É uma faca de dois gumes. Ao mesmo tempo que pode ser positiva, por permitir uma maior integração do negro na universidade, pode ter o efeito negativo de, ao fixar uma quota para a entrada do negro na universidade, não permitir que entrem negros além daquela quota. Ou seja, se você fixa a participação do negro em 20%, e se 30% dos melhores candidatos forem negros? Esses 10% que sobram saem perdendo. Há muito o que discutir sobre essa política, mas é preciso discutir sem preconceitos.

OI - Fale um pouco sobre a sua infância na favela.

RA - Foi uma infância difícil, como a de todos os outros garotos favelados, mas eu nunca perdi o bom humor. Eu sempre fui considerado meio esquisito pelos outros, porque passava noites em claro lendo, à luz de velas. Lia de tudo, desde fotonovelas a Stendhal. Outro que foi muito importante para mim foi Érico Veríssimo. Mas eu também catava alumínio, como os outros meninos, para ganhar uns trocados. Quando eu tinha catorze anos, fui procurar emprego pela primeira vez, numa joalheria da Zona Sul. Vesti a minha melhor roupa, calcei meus melhores sapatos, fui todo arrumado. Entrei lá e me disseram que a vaga já estava tomada. Mas quando eu ia saindo, ouvi uma frase que me marcou por toda a vida. O senhor que tinha me atendido virou-se para um outro e disse: "Que menino estranho. Tem cara de bandido..." Foi aí que eu resolvi que ia estudar, que ia sair da favela. Resolvi mostrar que o favelado não é o cara sujo, perigoso e analfabeto que a maioria das pessoas acha que é. Alguns anos depois, fiz supletivo à noite e acabei passando num vestibular para Direito e cursando a faculdade.

OI - Interessante que você fale no preconceito do asfalto contra a favela. Não seria um problema mais sério, no Brasil, o preconceito social do que o preconceito racial?

RA - O apartheid brasileiro é social, sem dúvida. Não tem só preto na favela, não. Tem muito branco e mulato também. Por que é que ninguém faz uma passeata em defesa do branco pobre? Ainda existem, no Rio de Janeiro, favelas onde as pessoas não têm nem luz elétrica e dormem no chão, no meio de valas de esgoto, na companhia de ratos. Mas a sociedade continua ignorando isso. Perto delas, a Rocinha chega a ser de classe média. O verdadeiro problema do negro é o problema dessas pessoas que não têm sequer condições dignas de sobreviver. É o problema da justiça social. Vamos deixar esse negócio de injustiça para os brancos. O que nós, negros, queremos é justiça.

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Os homens invisiveis do Brasil

Às
vezes andando nas ruas de Copacabana, me sinto como um fantasma.

Estou ao lado das pessoas, mas percebo que sou uma incômoda presença. Quase os atravesso, q

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Cidadãos de bem, velozes, em suas avenidas mentais. O último tênis, o último corte de cabelo, estão apenas cuidando de si. Ilhas e ilhas.

Ah, como queira que aquele menino com suas bolas de tênis nos surpreendesse com a sua habilidade no saibro. Gugas negros.

Somos milhões. E somos etéreos como o ar, por que como maioria, apenas assim podem nos ser indiferentes. Não pesamos quase nada ( e somos milhões!), nos adaptamos a quaisquer situações ("nós faz tudo dotô!).

Cidadãos de bem. Vejo milhares passarem por mim, e mesmo tendo cumprido um verdadeiro roteiro de cinema eu não estou aqui.

Me olho no espelho da vitrine da loja da esquina. Muito jovem, nem mesmo eu me vejo na minha novela das oito.

Afinal quantos protagonistas negros eu já havia visto?

Um segundo, um milímetro e agarro aquela bolsa, dou um piparote naquele guarda, dou um aú e uma rasteira naqule velhinho. Ah, um arrastão! Um mar como eu, em disparada, algazarra, que meninada!

Mais uma vez quase desisto de tudo. Estou descumprindo o papel que está tatuado em minha pele. Sou um marginal. O fato de estar em condicional não altera o meu crime.